Oliveira Paiva
1.Vida e obra do autor
Manuel de Oliveira Paiva é cearense de Fortaleza. Nasceu em 1861, e faleceu no Rio de Janeiro, com apenas 31 anos em 1892. Órfão de pai, desde os 14 anos, Oliveira Paiva teve uma juventude atribulada. Expulso do Seminário Episcopal do Crato, por indisciplina, tenta carreira militar, mas por diversas vezes, abandonou-a devido a problemas de saúde. Em 1883, é afastado em definitivo da Escola Militar.
No campo literário, o autor sempre revelou vocação para escrever. Fundou uma revista, A cruzada, em que publicou seu primeiro folhetim, Tal filha, tal esposa (1882), além de versos e pequenas composições. Por essa época (1883), filia-se a uma organização política, Libertadora Estudantil, que visava à libertação dos escravos, o que ocorre, no Ceará, em 25 de março de 1884; no jornal Libertador, inicia carreira jornalística e publica boa parte de sua produção literária, inclusive o romance A afilhada (1889). Participa da fundação em Fortaleza do "Clube Literário" (1886), do qual se torna primeiro secretário. Colabora também com crônicas e contos de uma revista literária, A Quinzena. Com a saúde a cada dia mais debilitada, Oliveira Paiva inicia a redação de seu grande romance, D. Guidinha do Poço, ao qual dedica os dois últimos anos de sua vida, publicado postumamente.
BIBLIOGRAFIA:
Folhetos:
Zabelinha ou a tacha maldita – 1883
Vinte e cinco de março - 1884
Obras póstumas:
Dona Guidinha do Poço - 1952
A afilhada - 1961
Contos - 1976
Folhetins:
Tal filha, tal esposa – 1882
Dois túmulos - 1884
2.Contexto Histórico
Até meados do século XIX, a irregularidade de chuvas que caracteriza o sertão nordestino não havia significado um problema tão grande para os setores dominantes. As terras úmidas da periferia do semi-árido, abundantes e povoadas, podiam ser ocupadas pelos grupos de sertanejos que perdiam as suas colheitas de subsistência e também pelo gado dos grandes proprietários.
Em
Porém, essa proteção oferecida pelos proprietários não chega sequer a amenizar as dificuldades, pois muitos donos de terras também se empobrecem e buscam em Fortaleza uma forma de atravessar os tempos difíceis. O “dever de proteção”, parte integrante da reciprocidade desigual das relações paternalistas, passa a ser exercido pelo Estado, na impossibilidade de o exercerem os já mencionados proprietários de terras.
O gado e a produção de subsistência predominavam na ocupação da terra até o início do século XIX. O algodão – uma planta xerófila que se adapta muito bem ao clima do semi-árido- somente veio a fazer parte efetiva da produção sertaneja em meados do século. As primeiras tentativas de plantações algodoeiras datam ao final do século XIII, mas é no século seguinte – especialmente durante a Guerra de Secessão nos EUA (1861- 1865) – que o algodão passou a fazer parte integrante e permanente da paisagem sertaneja.
Em relação à estrutura social e cotidiana de acordo com a atividade econômica predominante, tem-se a sociedade do couro, a sociedade do algodão, a do comércio, etc.
A organização típica da sociedade pecuarista, em seus traços gerais é a seguinte: grandes e pequenos currais tinham cotidianos parecidos, apesar da dominação dos latifundiários sobre as demais. A autoridade do marido era inquestionável – sociedade patriarcal. Cabia à mulher o trabalho de casa: criar os filhos, cozinhar, lavar, etc. O trabalho era árduo. Aí, proprietários e vaqueiros estavam bastante próximos, apesar da autoridade suprema do fazendeiro. A alimentação predominante baseava-se de carne, arroz, farinha, leite, feijão, queijo, manteiga, coalhada, milho e outros produtos de subsistência.
Quanto a presença negra no Ceará, não ocorreu de forma intensa como em Pernambuco, Bahia, Minas Gerias, São Paulo e Maranhão. São fatores da pouca presença negra no Ceará Colonial: a alta mortalidade dos escravos para cuidar do gado, a ausência de uma agricultura forte e as secas, sendo um dos fatores decisivos para tal situação.
Esse , portanto, é o contexto em que se insere a trama da Obra de Oliveira Paiva, Dona Guidinha do Poço, através da qual é possível perceber as relações entre a sociedade cearense e a natureza do semi-árido. O autor destaca o clima do semi-árido como um entrave à ocupação do território cearense e para implantação de unidades econômicas estáveis.
“[...] Estava em Fevereiro, e nem um pingo de água.”
(Pág.37, cap.II, livro I, DR)
O livro também trata das relações entre a sociedade cearense e a natureza do semi-árido, colocando a seca como importante fator de integração política.
Portanto, a partir dessas relações existentes no Romance, com o emprego ficcional, mas ao mesmo tempo real, torna-o um dos grandes nomes que estão consagrados no Regionalismo. A presença de fatores descritivos e a marcação do tempo, dão-nos claramente uma idéia de como era a sociedade sertaneja do século XIX e as suas relações de poder.
3.CONTEXTO LITERÁRIO
A vertente regionalista da literatura brasileira não é uma manifestação linear e evolutiva. Nem do ponto de vista formal nem temático.Propostas temáticas vão e retornam no tempo: aquilo que se compreendia como superado, de forma surpreendente reaparece no cenário literário , enriquecido, às vezes, pelas novas formas discursivas;outras vezes empobrecido pela mera repetição.
O discurso regional tem sua origem no Romantismo; surge a partir do contato entre a vida urbana letrada e o arcaísmo rural.
José de Alencar abriu uma rica veia para o surgimento de escritores preocupados em retratar o Brasil não-litorâneo, não-europeu, mas o Brasil, rural. Mas, é
A vida literária em Fortaleza foi marcada , no início do Realismo, por uma atividade literária considerável. Nomes como Domingos Olímpio, Manuel de Oliveira Paiva, Rodolfo Teófilo e Antônio Sales dariam à região da seca e do cangaço uma fisionomia literária pautado na observação da paisagem sertaneja. O seu romance, Dona Guidinha do Poço, escrito por volta de 1891, só veio a ser editado em 1951, graças ao empenho de Lúcia Miguel Pereira que o apresentou com um prefácio elogioso e merecido. Oliveira Paiva era prosador terso que sabia descrever e narrar com mão certeira e intervir no momento azado com talhos irônicos de inteligência fina e critica.
Embora excelente no traçar da figura central- Guidinha inteiriça na virtude e no pecado, autor foi menos feliz no desenho dos tipos secundários que compõem essa água-forte do latifúndio nordestino, com seu ritmo vegetativo seus agregados e retirantes , enfim, seu pequeno mas concentrado mundo de interações morais.
Já no início do século xx, após a tempestade modernista, retomariam o mesmo veio, José Américo de Almeida , com a Bagaceira (1928) e Rachel de Queiroz, com O quinze (1930), romances que abrem o longo e afortunado roteiro da ficção regionalista moderna.
Portanto, a partir das considerações tecidas até aqui, podemos afirmar que a obra, Dona Guidinha do Poço é um romance realista com traços naturalistas.
“A tia olhava profundamente .Depois queixou-se de aborrecimento e o convidou para ir levá-la a casa.
Secundino apanhou um tição./ não precisa tição se virem não me deixarão à vontade. (...)”
( pág. 79/8, cap., III, livro II, ABC)
“(...) Margarida era muitíssimo de seu sexo, mas da que são pouco femininas, pouco mulheres , pouco damas e muito fêmeas.(...)” (pág. 15,cap. I, livro I, ABC)
ESPAÇO
A fazenda Poço da Moita.
“De primeiro havia na ribeira do Curimatáu , afluente do rio Jaguaribe, uma fazenda chamada Poço da Moita (...)” (pág. 9,cap.I, livro I,VM)
Vila Cajazeiras
“(...) Nesses pontos a desigualdade dos terrenos e alguns sobrados, geralmente com os oitões e a frente bem caiados, lhe apresentam Cajazeiras risonha e grata.(...)”
(pág. 95,cap.IV,livro III,ABC)
FOCO NARRATIVO
Narrativa em terceira pessoa, porém apresenta um desvio de foco narrativo.
Se referindo ao Major:
“...amara a margarida em demasia , creio o vigor nervudo e cruspulento (...)”
(pág. 21,cap.I,livro I,ABC)
“Uma vez um capitão de navio muito rico andava correndo terras em busca de uma moça para se casar com ela (...)”
(pág. 56,cap.XII, livro I,ABC)
TEMÁTICA
O tema do romance é o adultério.
Margarida casa-se com major Quimquim sem muitos amores e logo o domina, dominando a sua mortalidade energética e resoluta.
LINGUAGEM
A linguagem existente na obra é mista, pois temos o registro de uma linguagem :
· Objetiva
· sertaneja
“De primeiro na ribeira de Curimataú (...)” (pág.9,cap. I,cap. I, ABC)
· Cartorial
“Cobre”
“Tacho,oito libras.
Bacias de cozer doces, de sangria ,de dar água as mãos (latão). [...]” (pág.12,cap. I, livro I,ABC)
· Missivista
· Transcritiva poética de versos sertanejos.
“todo branco que ser rico
todo mulato é pimpão;
todo cabra é feiticeiro,
todo caboclo é ladrão;(...)” (pág., 73, cap. III, livro II, ABC)
4. Enredo da Obra
A história do livro Dona Guidinha do Poço passa-se no município de Quixeramobim no Ceará. Narra a história da poderosa Margarida Reginaldo de Oliveira Barros, dona de cinco fazendas, prédios, gados, pratarias e muitos escravos, tudo herdado de seu avô Reginaldo Venceslau de Oliveira, um rico fazendeiro português. Guidinha, como era conhecida por todos, era uma mulher bravia, caridosa e apaixonada pelos valores da terra. Casada com o major Joaquim Damião de Barros, que veio de Pernambuco para o Ceará no intuito de comprar cavalos, e aqui acabou ficando. Ela envolve-se com o sobrinho de seu marido, Luís Secundino de Sousa Barros, que veio de Goianinha, Pernambuco, acusado de matar seu padrasto, e refugia-se na fazenda do tio. A paixão entre ele e Guidinha fica, porém, subentendida. O major Quinquim, como era popularmente chamado o seu marido, começa a desconfiar do envolvimento dos dois. Acometido de uma doença ele, então, resolve viajar, mas antes de ir bota o Secundino para fora da fazenda. Guidinha resolve vingar-se do marido e, mancomunada com o amante e Silveira, manda Lulu Venâncio, um assassino da região, matá-lo. Porém, este desiste na hora. Ao saber que o assassino não tinha matado seu marido, Guidinha, então, manda Naiú, o filho de um empregado, concluir “o serviço”. Dias depois, o major é assassinado. A população revolta-se querendo “linchar” Naiú. Guidinha é tida como a mandante do homicídio. O juiz manda prendê-la. Quando está sendo levada para a prisão, atravessa a cidade com arrogância e coragem. Na prisão, ela não para de pensar no que pode acontecer a Secundino. Ao final, o crime não é totalmente esclarecido, mas Guidinha ficou sendo a única responsável pelo assassinato do marido.
4.1 Os personagens
Margarida Reginaldo de Oliveira Barros (Guidinha)
Era uma mulher generosa e voluntariosa. Casada com o major Joaquim Damião de Barros. Havia recebido uma herança de seu avô, a fazenda Poço da Moita e outras terras. Apaixona-se por Secundino, sobrinho de seu marido e com quem, supostamente, teve um caso amoroso.Ela manda matar o marido. O crime é descoberto, e ela é presa.
Major Joaquim Damião (major Quinquim)
Major secretário da Guarda Nacional, Joaquim Damião, o Quinquim, era uma boa alma. Havia casado com Guidinha e com ela dividia a administração das posses. Acolhe na fazenda Poço da Moita o Silveira, um velho conhecido, e um sobrinho. Foi morto covardemente por Naiú, um empregado da fazenda a mando de Guidinha.
Secundino
Luís Secundino, um jovem mancebo, fugido de Goianinha, em Pernambuco, acusado como cúmplice no assassinato do padrasto refugia-se na fazenda de Guidinha. Enamora-se de Lalinha, a filha de um Juiz de Direito. O seu romance com Lalinha não vinga. Envolve-se com Guidinha e ajuda-a no plano de matar o tio.
Silveira
Retirante acolhido pelo Major na fazenda Poço da Moita. Trabalha nos serviços da fazenda, é muito irresponsável, mas tem a proteção de Guidinha, já que é amigo de muito tempo de seu marido e Secundino. Ajuda a tramar a morte de Quinquim. Quando Naiú estava sendo preso, Silveira foge mata adentro. Antes havia tentado matar Quinquim com uma faca em virtude de uma discussão.
Carolina
Esposa de Silveira acolhia Secundino em sua casa para que Guidinha fosse vê-lo.
Lalinha
Filha do Juiz de Direito, enamorou-se de Secundino. Depois de muito sofrimento casou com o filho do líder do Partido Liberal.
Antônio
Vaqueiro da fazenda Poço da Moita, impediu que Silveira atacasse o major com uma faca. Perdeu espaço na fazenda para o Silveira. Era um bom homem. Abandonou a fazenda depois do episódio envolvendo o Major e o Silveira.
Naiú
Empregado da fazenda. Foi ele que, a mando de Guidinha, matou o Major Quinquim.
Outros personagens:
Venâncio, Ana Balaio, Anselmo, Dona Anginha, Pe. João, Franco, Sampaio, Pe. Brasil, Néu.
5. CARACTERÍSTICAS GERAIS DA OBRA
· Profundidade psicológica e sociológica dos personagens.
“(...) a avó, mulher do primeiro Reginaldo,tão ríspida na educação dos filhos, foi de uma notável frouxidão pra com a neta Guida (...) aos catorze anos (...) Guidinha atravessou o impetuoso Curimataú de margem à margem(...)”
(pág. 13/14,cap. I, livro I,ABC)
· Falar regional nordestino (tradições orais/ narrativas dos contadores de história)
“(...) Ora, o pobre coitado foi. A igreja estava no escuro, e ele trancou-se por dentro,(...) ele ficou arrepiado com as badaladas do relógio. Antes do relógio acabar de batê, abriu-se um relâmpo, debaixo dói chão, cum trovão terrível.(...)”
(pág. 57,cap.XII,livro I,ABC)
· Paisagem nordestina
· Pormenores do cotidiano no sertão
· Descritivismo, observação da paisagem
· Narrativa linear
· Discurso direto e indireto
“Não parecia contar já com seus trinta e cinco anos de idade os cabelos, tinha-os
de um castanho encrespado (...)”
(pág.23, cap. I, livro, I,ABC)
“(...) Onde está o novilho rajado, o Muniz ?A vaca peito duro não veio ao curral?
_Inhora, não (...)”
(pág.;23,cap.I, livro I, ABC)
· Ocorrências de sinestesias ao longo da narrativa
“a voz do vaqueiro serpeava como o rio, e tinha como este marulho e frescura .Sussurrava como as árvores e lembrava o cheiro acre e salutar a monotonia do verde(...)”
(pág. 68, cap.VIII, do livro I, DR)
· Caráter impressionista dentro do romance
“lá estava a cara gorda e lisa de Quim, melhor para abade , a caraça queimada e barbuda do Miguelzinho do mazapão, o rosto pálido macambúzio Tómas(...)” (pág. cap. III, livro II, ABC)
· Presença de onomatopéias no texto
“De manhazinha, lá se foi Naiú, balaço,balaço, montando seu cavalo (....)”.
(pág. 93 cap. I,livro II, DR)
· Ambiente rural x Urbano
· Traços arcaicos do mundo interiorano
“(...) _ olhe! Não se esqueça de fazer o Pelo Sinal... antes de se meter na água !Vosmicês quando ficam homens não se importam mais com reza (...)”
(Pág.:35 cap.I livro I, ABC)
· Homem com perfil moral e telúrico de terminado pela região
“(...) _ eu não mulher, não vou me apresentá assim aos homens nessa miséria desgraçada(...)”
(pág.20,cap.III, livro I, ABC)
· Presença de um caráter lírico
(referências ao período trovadoresco)
“(...) chegou a ter novelas e como as mocinhas de quinze anos, na caixinha de adereços, ABC dos namorados (...), glosas toda uma coleção de lirismo do anônimo gosto indígena.(...)
Mote
Estes meus cinco sentidos
Eu em ti tenho empregado
Porque não penses, benzinho,
Que eu te trago enganado (...)”
(pág.107, cap. V, livro III, VM)
· Aspecto da mulher realista que difere do perfil da mulher romântica.
“(...) casara-se Margarida aos 22 anos (...)
(pág14, cap.I livro I,ABC)
6. Análise da Obra
Descrição da elite sertaneja
Para construir o perfil social da personagem Margarida, Manuel de Oliveira Paiva, traz a linhagem familiar da fazendeira.
“De primeiro havia na ribeira do Curimataú, afluente do Jaguaribe, uma fazenda chamada Poço da Moita. Situada no século passado pelo português Reginaldo Venceslau de Oliveira, passou a filhos e netos.”
(Pág.29, cap.I, livro I,DR)
“[...] Seu pai, o segundo Venceslau, capitão-mor da vila, possuía larga fortuna em gados, terras, ouro, escravos...Fora um rico e mandão [...]”
(pág. 30, cap. I, livro I, DR)
No romance D. Guidinha do Poço, Manuel de Oliveira Paiva descreve a casa da fazenda, especificamente, a sala da casa:
[...] A sala visitas era mobiliada com rigor. Canapé, cadeiras, mesa com pés de talha. Nas paredes, caiadas, nenhum retrato. Um registro de Santo Antônio e outro de Santa Margarida de Cartona [...]
(pág.65, cap.VII, livro I, DR)
Para descrever a sobriedade da casa, mostra o bom gosto de classe. Ao descrever, por sua vez, a composição da bandeja na qual é servido o lanche por ocasião da chegada de Secundino, como hábito e costume de vida cotidiana no sertão:
“ Pegava na xícara de porcelana e no bule de prata. Vinha leite fervido em um boião. Não eram peças de um aparelho, e sim desencontradas, cada qual mais valiosa e rara, desses objetos que são como quadras de pé de viola, pequeninas preciosidades, que no sertão passam de avós a netos, ficando fora do uso mundano[...]”
Apesar de, logo no primeiro capítulo, Oliveira Paiva apresentar quase três páginas de um relatório ou um inventário, os bens herdados por D. Guidinha, em ouro (moedas, fivelas, brincos etc); em prata (jarros, bacias, leiteiras, tigelas etc); e em tachos, bacias, sinos); em ferro e em bens móveis (gados e escravos) e imóveis (fazendas e casas etc.), são nessas passagens que o autor reforça a idéia do luxo em que viviam as classes abastadas do sertão.
· Princípios cristãos e a religiosidade sertaneja
Podemos, também, observar que a religiosidade é uma das principais caracteríscas na vida não só da elite sertaneja, mas de todo sertanejo. Faz-se presente a devoção, a submissão e a generosidade como princípios cristãos, descritos nas seguintes passagens:
“O que ela sentia era vontade de ajudá-los, como cristão ajuda a cristão...”
“Se recebendo o nome do marido, ela fez tudo o mais que ordena a Santa Madre Igreja, a Deus
pertence.”
“Guida assistiu à reza [...].”
“O terço foi oferecido a Nossa Senhora, em honra ao santo mês de Maria[...]”
(Pág.105, cap. III, livro II,DR)
6.1 Guidinha x a Sociedade do século XIX.
· Matrimônio
O casamento durante muito tempo ocorreu por conveniência, por interesse, um objeto possível de ser atingido por meio de manipulações estratégicas.
Já em Guidinha do Poço, Margarida casa-se por vontade própria, sem nenhuma pressão familiar ou social:
“Casou-se Margarida, finalmente, aos 22 anos, já morto o velho Vencesleu.”
(Pág.35, cap.I, livro I,DR)
· Relação de poder dentro da Instituição familiar
De acordo com os princípios patriarcais da época, século XIX, o chefe da casa é quem determina todas as coisas que devem acontecer na casa, ou seja, fica a cargo do homem mandar. A mulher é tida como ser inferior, tendo que obedecer todas as determinações do ser superior, o homem.
Na Obra de Oliveira Paiva, Guidinha é a matriarca, ela toma as decisões. Quebrando assim os dogmas e tradições da época. É “dona do próprio nariz”, uma figura forte e imperiosa, temida até pelo marido, Major Quinquim.
[...] o marido levava a mal aquela prodigalidade caritativa [...] Então ela volto-se friamente: _ Eu dou do que é meu.
(Pág. 39, cap. II, livro I,DR)
· Educação
As mocinhas do sertão de famílias abastadas, com alto poder aquisitivo, geralmente, eram mandadas pelos pais para a capital a fim de estudar.
“Lalinha [...] filha do Juiz de Direito, educada na capital.”
Em oposição a esse aspecto, Margarida estudava na vila, próximo a fazenda de seu pai. Por ser filha única, eram-lhe feitas as suas vontades.
“Aí, na vila, passou Guidinha em companhia da avó, os quatro anos que gastou na escola régia onde aprendeu a ler por cima: o catecismo, as quatro espécies de conta, e a escrever sem apuros”.
(Pág.34, cap.I, livro I,DR)
6.2. O aspecto paradoxal de Guidinha do Poço
A mulher inserida na sociedade sempre foi vista, apresentando uma dualidade comportamental, ora é vista como um ser bom, supremo e generoso, ora como um ser demoníaco, isto é, podendo levar o homem à “queda”, ou até mesmo, à morte.
No livro D. Guidinha do Poço, a personagem Margarida é retratada como uma figura generosa, bondosa, com sentimentos nobres e, até mesmo, com sentimentos românticos encontrados no Romantismo..
“Margarida era extremamente generosa para os retirantes que passam pela sua fazenda ... Tinha duas escravas incumbidas unicamente de servi-los.” (Pág. 39, cap.I, Livro I,DR)
“Margarida às vezes sentia não poder casar bem, frisar bem, dar certo com o esposo que recebeu ao pé do altar”.
(Pág.189, cap.V, livro IV, DR)
No trecho a seguir, podemos observar o sentimentalismo de Guidinha ao escrever versos de amor para o sobrinho de seu marido, Secundino:
“[...] Vivia por aquele a longos traços, na superexcitação poética do desejo e da saudade, quando por cá a gente gosta de brisas, de luares, de estrelas, de auroras, de nuvens que passam. Chegou a ter novelas e a possuir, como as raparigas de quinze anos, na caixinha dos adereços o ABC dos namorados, décimas, corações com versos e pingos de tinta roxa, glosas, toda uma coleção de lirismo do anônimo gosto indígena.
(pág.147, cap. V, livro III,DR)
E em determinadas passagens é tida como uma figura do mal, capaz de coisas maquiavélicas e imagináveis, contrastando com sua face generosa e romântica descrita em passagens da narrativa. Vejamos a seguir trechos que demonstram o caráter sombrio na visão do narrador e do próprio marido:
“A matrona foi logo dizendo: _ Lulu, mandei-o chamar para um serviço importante [...] Dê cabo de mim ou dele: um de nós deve desaparecer.”
(pág. 224, cap.VI,livro V,DR)
“... Margarida era como um palácio cuja fachada principal desse para um abismo.”
(pág. 40,cap.I, livro I,DR)
A mulher para os clérigos era considerada um ser muito próximo da carne e dos sentidos e, por isso, uma pecadora
“Vão ver que ela usou de feitiçaria [...] Ora se não é isso! Vão ver [...] Se creio! O inimigo de gênero humano não dorme. E mulheres? Mulheres, mulheres! A nossa mãe Eva que não me deixa mentir.”
(Pág. 36, cap.I, livro I, DR)
7. CONCLUSÃO
A Obra de Oliveira Paiva, faz suscitar reflexões em torno da traição, além de revelar o contexto sócio-econômico e cultural da época narrada. Tal proposta, justifica-se no papel de descrição da realidade social e de ruptura admitida pela Literatura, que não se limita a retratar determinada realidade, mas passa a contestá-la e, até mesmo, a antecipá-la, através da perspectiva privilegiada da arte. Portanto, é uma obra de indispensável leitura, pois ela traz-nos não somente um determinado tema, no caso a traição, mas uma verdadeira análise crítica e análise da vida social regional e política.
BIBLIOGRAFIA
Paiva, Manuel de Oliveira. D. Guidinha do Poço.Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2003.Paiva, Manuel de Oliveira. D. Guidinha do Poço. Fortaleza: Publicação Diário do Nordeste, Editora Verdes Mares LTDA./1997
Paiva, oliveira.Dona Guidinha do Poço; Rio- São Paulo- Fortaleza, ABC
Editora, 2002;
Bosi, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira.Editora Cultrix, São Paulo,1994.
Uma Nova História do Ceará/Organização, Simone de Souza; Adelaide Gonçalves...[et al] – 3.ed. rev. e atual. – Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2004.
www.dragaodomar.org.br/guidinha último acesso 01.07.07
www.coladaweb.com 30.06.07
www.terra.com.br/literatura/capa.htm30.06.07
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