O Naturalismo na obra O Cortiço de Aluísio Azevedo
Aryanne Mesquita
Camila Ferreira
Eda Lopes
Regison Gonçalves¹
11.O Realismo
Na segunda metade do século XIX, as origens do Realismo definem-se por uma série de transformações econômicas, científicas e ideológicas que possibilitam o surgimento de uma estética anti-romântica. Um mundo que agora se explica a partir de si mesmo: Comte cria o Positivismo e a sociedade passa a ser entendida em sua existência concreta; Darwin elabora a teoria sobre a evolução das espécies, Lamarck estabelece bases reais para a Biologia etc. Eis um mundo claro, como afirmam os cientistas da época.
Enquanto estilo literário da segunda metade do século XIX, caracteriza-se pela análise da sociedade e pelo propósito de transformá-la. A palavra “análise” implica numa postura racional, reflexiva, objetiva perante o objeto analisado.
O realismo brasileiro acabou também por provocar uma espécie de tomada de consciência geral em todos os campos do conhecimento, traduzida, inclusive, em participação política ativa de numerosos intelectuais, que desde essa época começaram a interessar-se mais objetivamente pelos problemas nacionais e suas soluções. Superado o realismo como escola, permanece a idéia, que lhe é essencial, de aproximar cada vez mais a arte da vida.
Essa escola tem como características: 1) Objetividade e Impessoalidade: o escritor deve manter a neutralidade diante daquilo que está narrando, e, dentro de alguns limites, jamais confunde sua visão particular com a visão e os motivos dos personagens. Por isso, há um domínio das narrativas em terceira pessoa, pois favorece a impressão de que os personagens realizam seus destinos sem a interferência do sujeito que as criou. 2) Racionalismo: reflexo do racionalismo ideológico e científico da época, significa a possibilidade de uma investigação objetiva dos indivíduos, como tais, e como agentes de grupos da sociedade. Os resultados são: análise psicológica e tipificação social. A primeira é o estudo dos caracteres, motivações e tendências da vida psíquica, considerada em suas relações com o momento histórico, o meio ambiente e com os instintos mais subterrâneos dos homens. A segunda corresponde à destruição da idéia de indivíduo sem vínculos com a realidade concreta. Suas ações, gestos e falas, seus conflitos são as representações particularizadas do grupo ao qual pertence. 3) Verossimilhança: a idéia de que o escritor deve reproduzir fielmente o real é um dos princípios centrais do movimento. Essa semelhança com aquilo que seria a verdade da vida objetiva e da vida interior leva-o a renunciar a tudo que pareça improvável ou fantástico.
O Naturalismo é uma espécie de extensão do Realismo. Assim, o Naturalismo assume quase todos os princípios do Realismo, tais como; o predomínio da objetividade, da observação, da busca da verossimilhança, acrescentando a isso uma visão cientificista da existência, trata de patologias sociais etc.
2. Realismo/Naturalismo no Brasil
O Realismo/Naturalismo no Brasil inicia em 1881 em um contexto marcado pelo fim da Guerra do Paraguai, é aqui que começa uma atração por idéias positivistas e republicanas. Surgem novas ideologias, tudo que é anti-monárquico, anti-clerical, anti-escravocrata e anti-romântico era-lhes de interesse. A sociedade continua se movendo, exigindo mudanças, há a chegada de imigrantes ao país, ocorre também uma migração para as cidades constituindo pequenas indústrias, é decretada a libertação dos escravos, a Proclamação da República. Enfim, o Brasil é marcado por vários acontecimentos políticos e sociais.
A liberação para atividades produtivas de um expressivo capital, até então envolvido com o tráfico negreiro, ensejara um rápido desenvolvimento urbano no Rio de Janeiro. Depois de 1860, centenas de fábricas instalaram-se na capital federal (chapéus, tecidos, bebidas, etc.); surgiram bancos, companhias de comércio e navegação, empresas de transporte de construção, de gás, ampliaram-se os serviços
Sensibilizado por tal espetáculo, Aluísio Azevedo resolve traduzi-lo para a literatura:
“Noventa e cinco casinhas comportou a imensa estalagem. As casinhas eram alugadas por mês e as tinas por dia: tudo pago adiantado. [...] Graças à abundância de água que lá havia, como em nenhuma outra parte, e graças ao muito espaço de que se dispunha no cortiço para estender a roupa, a concorrência às tinas não se fez esperar; acudiram lavadeiras de todos os pontos da cidade, entre elas algumas vindas de bem longe. E, mal vagava uma das casinhas, ou um quarto, um canto onde coubesse um colchão, surgia uma nuvem de pretendentes a disputá-los” (Cap.I, p.26)
3. Algumas diferenças básicas entre o estilo realista e o estilo naturalista
O Realismo prefere a investigação psicológica das personagens, vendo-as “de dentro para fora”, o Naturalismo privilegia o seu estudo “de fora para dentro”, isto é, dos fatores que condicionam os comportamentos à narração dos comportamentos como forma de conhecermos as personagens.
Enquanto o Realismo enfatiza as relações entre o homem e a sociedade burguesa, mostrando suas principais contradições e atacando suas principais contradições e atacando suas principais instituições, o Naturalismo ressalta as relações entre leis naturais de que é considerado um produto.Por último, o Realismo busca assumir uma imparcialidade objetiva e racional perante os assuntos de que trata, deixando o leitor um espaço para que ele tire suas próprias conclusões, enquanto o Naturalismo tende a suprimir esse espaço na medida em que busca uma explicação materialista para fenômenos sociais, reduzindo a seus fatores biológicos.
4. Vida e Obra
Aluísio Azevedo Belo Gonçalves nasceu
Com o falecimento do pai (1879), volta para o Maranhão, onde começa finalmente a escrever. Nesse ano estreou na literatura com um medíocre folhetim, Uma lágrima de mulher. Dedicou-se também ao jornalismo, editando O pensador, um jornal de combate ao clero e ao atraso mental de cidade.
Dois anos depois publica O Mulato, em que choca a sociedade pela denúncia da corrupção do clero e do preconceito racial existente na burguesia maranhense, desnudando a questão racial, tendo ele já se filiado dentre os abolicionistas. O sucesso desta obra habilita-o a voltar para a Capital do Império, onde escreve sem parar novos romances, contos, crônicas e até peças teatrais. Passou a viver exclusivamente da literatura, lançando folhetins românticos de baixa categoria, entremeados por duas narrativas naturalistas. Feito diplomata, em 1895, chega finalmente em 1910
Aluísio Azevedo é o primeiro caso de escritor no país a decidir-se pela literatura como forma de sobrevivência. Para tanto, precisará capitular às exigências do mercado que pede melodramas baratos e de fácil digestão. Sem vergonha aparente, satisfaz o gosto do público e lhe fornece o esperado. Simultaneamente, acaba encontrando na estética naturalista, - seja através da obra de Zola, seja através dos romances de Eça de Queirós - os princípios que lhe permitirão o desenvolvimento de uma obra adulta. O trabalho como caricaturista e a vocação para a pintura tinham intensificado o sentido plástico de seu texto. "Primeiro desenho os meus romances. Depois, redijo-os." - confessará ele mais tarde.
Um pouco antes de publicar O cortiço, em 1890, o ficcionista maranhense anunciara o seu propósito de elaborar um conjunto de cinco romances sobre a realidade brasileira, abrangendo épocas e tipos distintos. Seguia o modelo de Zola, com seu polêmico afresco da civilização francesa contemporânea. Aqui também a estrutura social aos poucos se alterava, exigindo do romancista experimental um registro sociológico dessas transformações.
Segundo uma comparação feita por Antônio Cândido entre O Cortiço, de Aluísio Azevedo, e O germinal, de Émile Zola, enquanto este apresenta simplesmente o modo de vida do operário francês, num cortiço cuja característica mais marcante é a verticalidade como resultado do processo desordenado de urbanização, aquele representa aspectos que definem o país todo, superando assim a obra que lhe serviu de modelo.
4.1 Escreveu:
Uma Lágrima de Mulher (1880); Memórias de um Condenado (1882); Filomena Borges (1884); 0 Homem (1887); 0 Esqueleto (em colaboração com Olavo Bilac) A Mortalha de Alzira (1894); Livro de uma Sogra (1895); A Girândola de Amores ou 0 Mistério de Tijuca (1900); Condessa Vesper (1901), etc.
4.2 Para o teatro produziu:
Os Doidos; Casa de Orates ; Flor de Lis; Em Flagrante; Caboclo; Um Caso de Adultério; Venenos que Curam e República.
4.3 Obras Naturalistas: O mulato (1881); Casa de pensão (1884); O cortiço (1890)
5. Enredo de O Cortiço
Os moradores do cortiço, cenário do Rio de Janeiro, são inquilinos de João Romão, trabalham em sua pedreira e fazem compras em sua taverna, o que significa que dele dependem para tudo, e que ele os explora ao máximo.
Embora viva com Bertoleza, ex-crava supostamente alforriada, João Romão, à medida que vai enriquecendo, pensa em casar com Zulmira, filha do seu vizinho Miranda, a fim de adquirir melhor condição social.
Por meio da superposição de imagens, sons e sentidos, o autor parece dar idéia de que o cortiço tem vida própria. Como na passagem:
“[...] o vendeiro empurrou a porta do fundo da estalagem, de onde escapou, como de uma panela fervendo que se destampa, uma baforada quente, vozeria tresandante à fermentação de suores e roupa ensaboada, secando ao sol” (Cap.IV, p.51)
6. Personagens
6.1 João Romão: dono do cortiço e da pedreira, era uma pessoa mesquinha, que não media esforços para conseguir o que queria. Significa o elemento vitorioso segundo uma seleção das espécies. “[...] seu tipo baixote, socado, de cabelos à escovinha, a barba sempre por fazer, ia e vinha da pedreira para a venda, da venda às hortas e ao capinzal, sempre em mangas de camisa, de tamancos, sem meias, olhando para todos os lados, com o seu eterno ar de cobiça, apoderando‑se, com os olhos, de tudo aquilo de que ele não podia apoderar‑se logo com as unhas” (Cap.I, p.24)
6.2 Bertoleza: escrava e amante de Romão. [...] representava agora ao lado de João Romão o papel tríplice de caixeiro, de criada e de amante” (Cap.I, p.17)
6.3 Dona Estela: esposa do Miranda, era vaidosa e adultera: “[...] senhora pretensiosa e com fumaças de nobreza [...]” (Cap.I, p.19)
6.4 Miranda: homem covarde que vivia com a mulher pelo dinheiro: “Prezava, acima de tudo, a sua posição social e tremia só com a idéia de ver‑se novamente pobre [..]” (Cap.I, p.19)
6.5 Zulmira: filha de Dona Estela com o Miranda. “[...] tinha então doze para treze anos e era o tipo acabado da fluminense; pálida, magrinha, com pequeninas manchas roxas nas mucosas do nariz, das pálpebras e dos lábios, faces levemente pintalgadas de sardas. [...] cabelos castanho‑claros, mãos quase transparentes, unhas moles e curtas, como as da mãe, dentes pouco mais claros do que a cútis do rosto, pés pequeninos, quadril estreito mas os olhos grandes, negros, vivos e maliciosos” (Cap.II, p.29)
6.6 Henrique: morava na casa do Miranda, era filho de um fazendeiro importante: “[...] era bonitinho, cheio de acanhamentos, com umas delicadezas de menina. Parecia muito cuidadoso dos seus estudos e pouco extravagante e gastador [...]” (Cap.II, p.29)
6.7 O velho Botelho: homem amargurado, morava na casa do Miranda: “Era um pobre‑diabo caminhando para os setenta anos, antipático, cabelo branco, curto e duro, como escova, barba e bigode do mesmo teor; muito macilento, com uns óculos redondos que lhe aumentavam o tamanho da pupila e davam‑lhe à cara uma expressão de abutre, perfeitamente de acordo com o seu nariz adunco e com a sua boca sem lábios: viam-se-lhe ainda todos os dentes, mas, tão gastos, que pareciam limados até ao meio [...]” (Cap.II, p.30)
6.8 Leandra: conhecida como a “Machona”: [...] portuguesa feroz, berradora, pulsos cabeludos e grossos, anca de animal do campo” (Cap.III, p.37)
6.9 Ana das Dores: filha mais velha de Leandra, morava em sua casinha à parte: “[...] afirmavam que fora casada e largara o marido para meter‑se com um homem do comércio; e que este, retirando‑se para a terra e não querendo soltá‑la ao desamparo, deixara o sócio em seu lugar. Teria vinte e cinco anos” (Cap.III, p.37)
6.10 Nenen: filha mais nova da Leandra, tinha dezessete anos. “Espigada, franzina e forte, com uma proazinha de orgulho da sua virgindade, escapando como enguia por entre os dedos dos rapazes que a queriam sem ser para casar” (Cap.III, p.37)
6.11 Augusta Carne‑Mole: “[...] brasileira, branca, mulher de Alexandre [...].Também tinham filhos, mas ainda pequenos, um dos quais, a Juju, vivia na cidade com a madrinha que se encarregava dela” (Cap.III, p.38)
6.12 Alexandre: “[...] um mulato de quarenta anos, soldado de polícia, pernóstico, de grande bigode preto, queixo sempre escanhoado e um luxo de calças brancas engomadas e botões limpos na farda, quando estava de serviço” (Cap.III, p.38)
6.13 Leocádia: “[...] mulher de um ferreiro chamado Bruno, portuguesa pequena e socada, de carnes duras, com uma fama terrível de leviana entre as suas vizinhas” (Cap.III, p.38)
6.14 Paula: “[...] uma cabocla velha, meio idiota, a quem respeitavam todos pelas virtudes de que só ela dispunha para benzer e cortar febres por meio de rezas e feitiçarias. Era extremamente feia, grossa, triste, com olhos desvairados, dentes cortados à navalha, formando ponta, como dentes de cão, cabelos lisos, escorridos e ainda retintos apesar da idade. Chamavam‑lhe “Bruxa”” (Cap.III, p.38)
6.15 Marciana: “[...] mulata antiga, muito seria e asseada em exagero, a sua casa estava sempre úmida das consecutivas lavagens. Em lhe apanhando o mau humor punha‑se logo a espanar, a varrer febrilmente, e, quando a raiva era grande, corria a buscar um balde de água e descarregava‑o com fúria pelo chão da sala” (Cap.III, p.38)
6.16 Florinda: filha da Marciana: “[...] tinha quinze anos, a pele de um moreno quente, beiços sensuais, bonitos dentes, olhos luxuriosos de macaca. Toda ela estava a pedir homem, mas sustentava ainda a sua virgindade e não cedia, nem à mão de Deus Padre, aos rogos de João Romão, que a desejava apanhar [..]” (Cap.III, p.38)
6.17 Dona Isabel: “Tinha uma cara macilenta de velha portuguesa devota, que já foi gorda, bochechas moles de pelancas rechupadas, que lhe pendiam dos cantos da boca como saquinhos vazios; fios negros no queixo, olhos castanhos, sempre chorosos engolidos pelas pálpebras. Puxava em bandos sobre as fontes o escasso cabelo grisalho untado de óleo de amêndoas doces” (Cap.III, p.38-39)
6.18 Pombinha: filha de Dona Isabel, era a flor do cortiço: “Chamavam-lhe pombinha. Bonita, posto que enfermiça e nervosa ao último ponto; loura, muito pálida, com uns modos de menina de boa família” (Cap.III, p.39)
6.19 Albino: “[...] um sujeito afeminado, fraco, cor de espargo cozido e com um cabelinho castanho, deslavado e pobre, que lhe caia, numa só linha, até ao pescocinho mole e fino. Era lavadeiro e vivia sempre entre as mulheres, com quem já estava tão familiarizado que elas o tratavam como a uma pessoa do mesmo sexo; em presença dele falavam de coisas que não exporiam em presença de outro homem; faziam‑no até confidente dos seus amores e das suas infidelidades, com uma franqueza que o não revoltava, nem comovia” (Cap.III, p.40)
6.20 Jerônimo: “Era um português de seus trinta e cinco a quarenta anos, alto, espadaúdo, barbas ásperas, cabelos pretos e maltratados caindo‑lhe sobre a testa, por debaixo de um chapéu de feltro ordinário: pescoço de touro e cara de Hércules, na qual os olhos todavia, humildes como os olhos de um boi de canga, exprimiam tranqüila bondade” (Cap.III, p.44)
6.21 Piedade: esposa de Jerônimo; “[...] teria trinta anos, boa estatura, carne ampla e rija, cabelos fortes de um castanho fulvo, dentes pouco alvos, mas sólidos e perfeitos, cara cheia, fisionomia aberta; um todo de bonomia toleirona, desabotoando-lhe pelos olhos e pela boca numa simpática expressão de honestidade simples e natural” (Cap.V, p.51)
6.22 Rita Baiana: mulata bonita de farto cabelo, crespo e reluzente: “[...] toda ela respirava o asseio das brasileiras e um odor sensual de trevos e plantas aromáticas. Irrequieta, saracoteando o atrevido e rijo quadril baiano, respondia para a direita e para a esquerda, pondo à mostra um fio de dentes claros e brilhantes que enriqueciam a sua fisionomia com um realce fascinador” (Cap.VI, p.59)
6.23 Firmo: amante de Rita Baiana: “[...] era um mulato pachola, delgado de corpo e ágil como um cabrito [...] Teria seus trinta e tantos anos, mas não parecia ter mais de vinte e poucos. Pernas e braços finos, pescoço estreito, porém forte; não tinha músculos, tinha nervos. A respeito de barba, nada mais que um bigodinho crespo, petulante, onde reluzia cheirosa a brilhantina do barbeiro; grande cabeleira encaracolada, negra, e bem negra, dividida ao meio da cabeça, escondendo parte da testa e estufando em grande gaforina por debaixo da aba do chapéu de palha, que ele punha de banda, derreado sobre a orelha esquerda” (Cap.VII, p.62)
7. Os cortiços no Rio de Janeiro do Século XIX
Os cortiços eram geralmente de propriedade de ricos comerciantes, rendiam uma boa soma em dinheiro para seus donos, que cobrava aluguel por cada cômodo usado. Apesar de ter licença para existirem pelo Código de Posturas Municipais, os cortiços viviam em notícias de jornais que retratavam a miséria dos que lá moravam. O suborno às autoridades municipais permitia que essas pocilgas existissem. Eles se espalhavam aos milhares pelo Rio de janeiro do Séc. XIX. Eram insalubres, sujos e um foco de doenças, principalmente da febre amarela, sífilis e varíola.
Para a imprensa e a elite em geral, os cortiços eram apontados como origem de todos os males, sobretudo da febre amarela. As campanhas contra esse tipo de habitação popular eram comuns e Aluísio Azevedo, naquela época, participou delas como caricaturista no jornal O Fígaro. A miséria dos cortiços e a ganância de seus donos não poderiam deixar de impressionar os que chegavam à cidade.
A proliferação dos cortiços à revelia da vontade das classes dirigentes, preocupava a Inspetoria de Higiene, que calculava que a população domiciliada nos cortiços em 1890 já representava o dobro da de 1888, ou seja, mais de 100.000 habitantes. O aumento, certamente ligado à abolição, associado a um novo surto epidêmico, acarretou a intensificação das campanhas higienistas. Vários cortiços foram fechados e demolidos a partir de 1890.
A polícia também demonstrava preocupação com os cortiços, considerando-os um mal para a ordem pública, cenário de crimes e agitações, santuário de criminosos e escravos. Possivelmente por esse motivo, a presença da polícia nos cortiços era considerada uma desonra para os moradores. A instituição que deveria zelar pela ordem e proteger a população, representava para essa a mais terrível ameaça. E, a qualquer tentativa de intervenção policial, os moradores deixavam de lado suas diferenças para se unirem contra o “inimigo” comum:
“Não entra! Não entra! [...] A polícia era o grande terror daquela gente, porque, sempre que penetrava em qualquer estalagem, havia grande estrupício: à capa de evitar e punir o jogo e a bebedeira, os urbanos invadiam os quartos, quebravam o que lá estava, punham tudo
8. Análise da Obra:
8.1 O Romance Social
O Cortiço é um romance que busca retratar em sua estrutura interna e dinâmica a realidade de classes populares que viviam à margem da sociedade do Rio de Janeiro , a massa popular residente dos cortiços. O aparecimento dos segmentos populares urbanos como atores principais do texto é uma das grandes novidades da obra de Aluísio Azevedo. Operários, cavouqueiros (trabalhadores em pedreiras), malandros, soldados, os primeiros imigrantes, comerciários, lavadeiras, prostitutas, pessoas de vida ordinária e de atividade incerta compõem a galeria dominante dos personagens. Esses procedem de todas as raças: são brancos, negros, mulatos, cafuzos, numa multiplicidade étnica e social até então ignorada no romance brasileiro. Pela primeira vez também se registra a luta pela sobrevivência econômica, a qual todos se entregam vorazmente; o áspero trabalho cotidiano, seja na pedreira, nas tinas de roupas, na venda e na feira; e, por fim, as duras condições de existência na habitação coletiva.
Por todas as contradições presentes em seu seio e por significar uma espécie de síntese dos antagonismos da sociedade carioca do fim do século XIX. No romance, sua descrição é minuciosa: ele nasce, cresce e transformar-se em estalagem ao longo da trama.
A escolha do cortiço como ambiente principal da trama e personagem central, é significativa do momento de produção da obra. Publicado em 13 de maio de 1890 tinha por principal “missão” retratar os costumes, a insalubridade e a promiscuidade que tinham lugar em seu interior, persistindo em permanecer apesar da abolição e Proclamação da República. O próprio suicídio da escrava Bertoleza, coincidente com a entrega do título de benfeitor do abolicionismo a João Romão, uma crítica contundente aos “abolicionistas de última hora.”
“Desistindo de montar um enredo em função de pessoas, Aluísio atinou com a fórmula que se ajustava ao seu talento: ateve-se à seqüência de descrições muito precisas, onde cenas coletivas e tipos psicologicamente primários fazem, no conjunto, do cortiço a personagem mais convincente do nosso romance naturalista.” (Cf. Prof. Alfredo Bosi).
8.2. Representação de Dois Conjuntos : o Conjunto Simples e o Conjunto Complexo
Os 23 capítulos que compõem a narrativa de O Cortiço e que contam uma estória com princípio, clímax e desfecho, dentro de uma disposição tradicional, podem ser analisados pela configuração de dois conjuntos. O primeiro, cortiço de São Romão, conjunto simples, define-se por sua composição elementar. Seus elementos têm uma constituição primária e estão ao nível da natureza e do instinto.
O segundo, casa do Miranda, conjunto complexo, mostra a vigência de certas regras mais definidas culturalmente. Existe entre seus elementos uma coexistência baseada num maleável regime de trocas, que indica a predominância de outros interesses que não o puramente instintivo.
Toda a movimentação de Romão, por exemplo, é para sair do solo puramente biológico e instintivo em que se agita o cortiço e entrar numa organização social regida por um sistema jurídico e político representativo da Cultura.
8.3 Descrição da Sociedade e da Formação das Elites Brasileiras
Aluísio Azevedo narra o processo de formação das elites brasileiras, revelando a violência nele envolvida, estabelecendo um instigante diálogo com a história brasileira. Busca alcançar a luta pelo poder e sua manutenção, ou seja, pode-se dizer que a “formação das elites brasileiras” passa por dois momentos que são apresentados na obra: o primeiro deles é o da conquista do poder por determinados grupos que se utilizaram basicamente da força bruta e do roubo, no segundo momento, a necessidade de não só se manterem no poder, mas também de se elevarem socialmente, transformando-se em elites.
Ao longo do romance, eivado dos preconceitos da época vão aparecendo os diferentes modos de adaptação do português ao Brasil, além da luta dos negros e, especialmente, dos mestiços pela sobrevivência. Desse convívio de tipos vai se fazendo o romance, como ia se fazendo a nação.
Miranda e João Romão são figuras que se complementam, representando momentos distintos nesse processo de constituição das elites brasileiras. Miranda foi o português que chegou antes, se adaptou rapidamente ao País, casou-se com a filha do patrão e tornou-se rico. João Romão rouba, engana e explora para torna-se rico. Sua fortuna é feita de pouquinho em pouquinho com o suor dos miseráveis de seu cortiço: portugueses pobres, negros e mestiços livres que têm de entregar ao dono da estalagem e da venda quase todo o dinheiro que recebem no trabalho pesado da pedreira ou da lavação de roupas.
A história de João Romão é a vida de um dono de cortiço no Rio de Janeiro do século XIX que consegue enriquecer e ganhar status social graças à exploração da miséria alheia. João Romão não é ele, mas o que representa: a elite brasileira.
Ao contar a história da “formação das elites no Brasil” traz junto o questionamento do processo todo; inscrevendo-o na própria construção narrativa, ou simplesmente tornando esta matéria digna da literatura — o que acaba por lhe conferir legitimidade.
Aluísio apresenta, também, uma visão do racismo na época, ele não mede palavras e caracteriza os negros como raça inferior e os iguala a animais, guiados não pela razão ou pelo amor, mas por instinto, na escolha de seus parceiros. Além disso, sugere que a origem do preconceito racial partiria dos próprios negros, que se negavam a reproduzir-se entre eles, procurando “uma raça superior à sua”. Comprova-se isso na obra através da estória de Bertoleza, que se apaixona por Romão, e passa a ser explorada por ele. Seu amor é guiado pelos “instintos” de “melhora” genética por meio do “branqueamento”.
É evidenciado que o autor retrata não só a sociedade, mas também as moradias populares, como pode ser comprovado neste trecho:
“Havia, além da cama, uma cômoda de jacarandá muito velha com maçanetas de metal amarelo já mareadas, um oratório cheio de santos e forrado de papel de cor, um baú grande de couro cru tacheado, dois banquinhos de pau feitos de uma só peça e um formidável cabide de pregar na parede, com a sua competente cobertura de retalhos de chita. O vendeiro nunca tivera tanta mobília” (Cap.I, pg.16)
A descrição do autor sobre a moradia popular coincide com a maioria dos relatos e fotografias da época: o baú de couro era parte indispensável a esses quartos. A religiosidade exacerbada, retratada por meio da presença do oratório, de santos e papel colorido, também era uma constante entre as camadas mais pobres da população, dividida entre a religiosidade popular e a “oficial.” Ao lado de João Romão a escrava Bertoleza passou a exercer o papel de caixeiro, criada e amante.
Aluísio Azevedo critica a compra de títulos e os casamentos por conveniência. Este último é exemplificado não só pelo casamento arranjado entre Zulmira e João Romão, mas também pelo de aparências, entre os pais daquela:
“Ainda antes de terminar o segundo ano de matrimônio, o Miranda pilhou-a em flagrante delito de adultério; ficou furioso e seu primeiro impulso foi de mandá-la ao diabo junto com seu cúmplice; mas sua casa comercial garantia-se com o dote que ela trouxera [...].Além de que, um rompimento brusco seria obra para escândalo, e, segundo a sua opinião qualquer escândalo doméstico ficava muito mal a um negociante de certa ordem. Prezava, acima de tudo, sua posição social [...]. Acovardado defronte deste raciocínio, contentou-se com uma simples separação de leitos, e os dois passaram a dormir em quartos separados. [...] Odiavam-se. Cada qual sentia pelo outro um profundo desprezo, que pouco a pouco se foi transformando em repugnância completa” (Cap.I, p.19)
O alvo das críticas do autor não é o casamento em si, mas as armações por traz deste: a conveniência, a ascendência social, a caça de dotes, os adultérios, este fruto, quase sempre, da infelicidade ocasionada por esses “arranjos” matrimoniais.
Objetivo que norteia a construção dos personagens Miranda e João Romão é traçar um quadro dos mecanismos sócio-econômicos que transformam os portugueses ambiciosos e inescrupulosos em donos do comércio brasileiro.
A imagem da personagem de João Romão, que consegue todo seu patrimônio às custas de trapaças, roubos e privações revela a crítica àqueles que utilizavam todos os meios ao seu alcance para atingir os seus fins, principalmente por parte dos imigrantes portugueses. A ausência
O autor faz uma análise de tipos sociais, só que esses tipos só se manifestam como uma “conseqüência” do meio, pois o grande personagem na verdade é o conjunto, ou seja, o cortiço.
Todas as existências se entrelaçam e repercutem umas nas outras. O Cortiço é o núcleo gerador de tudo e foi feito à imagem de seu proprietário, cresce, se desenvolve e se transforma com João Romão.
Na medida
Como protagonista do romance, o cortiço é caracterizado e descrito minuciosamente, como um verdadeiro personagem realista deveria ser descrito, constatamos isso numa passagem do livro que revela-nos o amanhecer no cortiço:
[...] eram cinco horas da manhã, e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas” (Cap.III, p.35)
Por meio da superposição de imagens, sons e sentidos, o autor parece dar idéia de que o cortiço tem vida própria. Como na passagem:
“[...] o vendeiro empurrou a porta do fundo da estalagem, de onde escapou, como de uma panela fervendo que se destampa, uma baforada quente, vozeria tresandante à fermentação de suores e roupa ensaboada, secando ao sol” (Cap.IV, p.51)
Algumas vezes o tema em destaque não é o ato sexual em si, mas também a sensualidade que é trabalhada principalmente na figura da Rita Baiana:
“[...] Rita Baiana essa noite estava de veia para a coisa; estava inspirada! Divina! Nunca dançara com tanta graça e tamanha lubricidade”. “[...] cada verso que vinha de sua boca de mulata era um arrulhar choroso de pomba no cio [...]” (Cap.X, p.110)
Destaca-se, também, o fascínio que a morena exercia sobre o português Jerônimo:
Diferente daquela encontrada na estética romântica é descrita mais objetivamente, enraizada na realidade, ela surge sem as idealizações e falseamentos. Nessa narrativa de Azevedo, a mulher é descrita principalmente como fêmea, que se acasala com o macho por interesses físicos e materiais.
As mulheres são reduzidas a três condições: a primeira, de objeto, usadas e aviltadas pelo homem, tem-se como exemplos a personagens Bertoleza e Zulmira. Bertoleza é “escrava” ao realizar os afazeres domésticos e trabalhistas, pronta a todo o momento a satisfazer as necessidades do seu homem. Macho e fêmea trabalham dia e noite, e quanto mais o tempo passa, mais o macho se afasta da fêmea, uma vez que ela era peça fundamental apenas no princípio da carreira de Romão: “à medida que ele galgava posição social, a desgraçada fazia‑se mais e mais escrava e rasteira” (Cap.XIII, p.134)
Zulmira foi o elemento utilizado por Romão para ascender socialmente. As ligações entre ele e Bertoleza e ele e Zulmira são totalmente circunstanciais. As mulheres aí são elementos cambiáveis no comércio que ele opera.
A segunda, de sujeito e objeto, simultaneamente: representada pela figura de Rita Baiana e Dona Estela; A primeira tem uma relação de troca com o marido, Miranda, essa relação ajusta um regime de trocas sexuais, que são a contrapartida das trocas econômicas e sociais. A segunda exemplifica com o Jerônimo mesmo regime de troca, ela é metonímia da natureza tropical enquanto Jerônimo é o símbolo daquilo que o autor chama de “raça superior”: “mas desde que Jerônimo propendeu para ela, fascinado-a com sua tranqüila seriedade de animal bom e forte, o sangue da mestiça reclamou os seus direitos de apuração, e Rita preferiu no europeu o macho de raça superior” (Cap.XV, p.151)
A terceira, de sujeito, são as que se independem do homem. Assim como Romão consegue se impor afirmando-se enquanto indivíduo dentro dos padrões vigentes na sociedade. Leonie e Pombinha também se destacam na dependência contínua ao macho e passam a exercer o poder através do sexo-luxúria.
Apesar dessas diferenciações quanto ao papel da mulher, há uma constante a destacar: a estética naturalista em Azevedo acentua a supremacia do feminino sobre o masculino, da fêmea sobre o macho. Os homens, segundo a versão de Léonie, existem para “servir ao feminino” enquanto as mulheres são “rainhas”, senhoras num “império” onde homens são “escravos”.
Os elementos dentro do cortiço marcam-se pela sua impessoalidade, dissolvidos na comunidade instintiva e animal. Para ressaltar esse acampamento de seres primitivos, o narrador acentua a degradação dos tipos aproximando-os insistentemente de animais e conferindo-lhes apelidos. Leandra com “anca de animal do campo”; Neném como uma “enguia”; Paula com “dentes de cão” e Pombinha, com esse nome no diminutivo ocultando seu verdadeiro nome, significa a fusão do natural e do cultural, quando o narrador privilegia o apelido de caracterização zoomórfica.
Essa é uma característica do Naturalismo que revela influência das teorias da Biologia do século XIX (darwinismo, lamarquismo). Dentro da obra há uma concepção biológica da existência, o autor chega ao extremo de considerar o próprio cortiço um organismo vivo, sujeito às leis evolutivas:
“E naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa, começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer o mundo, uma coisa viva, uma geração que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, e multiplicar-se como larvas no esterco” (Cap. I, p.26)
“.. depois de correr meia légua, puxando uma carga superior às suas forças, caiu morto na rua, ao lado de carroça, estrompado como uma besta” (Cap.I, pág.15)
“Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum crescente; uma aglomeração tumultuosa de machos e fêmeas” (Cap.III, p.35)
“As corridas até à venda reproduziam-se, transformando-se num verminar constante de formigueiro assanhado” (Cap.III, p.36)
8.9 Crítica ao Capitalismo
O tema é a ambição e a exploração do homem pelo próprio homem. De um lado João Romão que aspira à riqueza e Miranda, já rico, que aspira à nobreza. Do outro, a gentalha caracterizada como um conjunto de animais, movidos pelo instinto e pela fome.
João Romão, pode ser encarado como metáfora do capitalismo selvagem, pois tem como principal objetivo na vida enriquecer a qualquer custo. Ambicioso ao extremo, não mede esforços, sacrificando até a si mesmo. Veste-se mal. Dorme no mesmo balcão em que trabalha. Das verduras de sua horta, come as piores: o resto vende. Mas sua ascensão não se vai basear apenas na autoflagelação. Explora o próximo, sem medir esforços. O vinho que ele vende aos seus clientes é diluído em água, as economias que o ajudaram a construir o cortiço foi fruto da mentira contada a Bertoleza.
8.10 O Autor não Interfere na Obra
Aluísio Azevedo, amparado no ideário naturalista, busca apresentar sua história de um ponto de vista (pretensamente) imparcial, com um narrador onisciente, que mantém sempre a “distância adequada” de seu objeto.
Ao privilegiar as classes subalternas, o escritor não se deixa levar pela idealização populista, isto é, por aquela visão que transforma os pobres em modelos insuperáveis de qualidade humana. Apesar da denúncia da exploração econômica e da estrutura perversa que impera no cortiço, seus moradores são retratados brutalmente.
Dessa maneira, é observável que ele não tenta solucionar os problemas dessa sociedade, mas busca apresentá-los em suas verdadeiras proporções.
8.11 Análise Semiótica dos Elementos
O nome do Miranda: Lat. Miranda, gerundivo de miror, admirar, que deve ser admirado, e por ampliação – “evidente”. Miranda contempla lá de cima o avanço de Romão preparando-se para se beneficiar, e é lá de cima de sua janela que assiste aos festejos e às brigas do cortiço. Estela (estrela) é “senhora pretensiosa e com fumaças de nobreza”; é ela quem trouxe a fortuna ao Miranda através de seu dote; Zulmira – a excelsa, colocada também lá em cima no sobrado em sua palidez de adolescente; Henriquinho (rad. rik, poderoso, rico, príncipe da casa”), “tinha quinze anos e vinha terminar na corte alguns preparatórios que lhe faltavam para entrar na Academia de Medicina”. E aí, nesse conjunto, se instala Botelho, diferente dos demais; seu nome significa parasita, alga. E o próprio narrador cuida de chamá-lo de “parasita”, mostrando como “vegeta à sombra do Miranda” servindo de mediador nas transas sexuais de Henriquinho e Estela, e depois no casamento de Romão e Zulmira.
8.12 Competição entre a Sensibilidade Européia e a Brasileira
O narrador estabelece tal competição quando descreve como o europeu, representado pelo Jerônimo sucumbe quando abre seus sentidos ao sol dos trópicos. A integração da personagem se realiza segundo uma “fuga dos cinco sentidos”. Ele se entrega à música brasileira (audição) e olvida os fados portugueses: não resiste à luz dos trópicos e à dança da baiana Rita (visual); entorpece-se com o seu aroma, com “aroma quente dos trevos e baunilhas, que o atordoava nas matas brasileiras” e diante do perfume da mulata prefere-lhe o café e a cachaça em vez do chá preto da mulher (olfativo-gustativo). Outros dados do código sensorial ainda se associam formando uma rede de envolvimento que levam o português a ser avesso do que no princípio parecia.
A linha descendente de Piedade, mulher de Jerônimo, é semelhante. Ela perde sua estabilidade quando o marido se envolve por meio ambiente brasileiro (metonimicamente representando por Rita), e passa pelos mesmos degraus de decadência, conhecendo a decadência física, a desorganização do lar, a embriaguez, abriga com Rita e a miséria.
de caráter, a desonestidade do vendeiro e a exploração da escrava põem à mostra os determinismos do sistema econômico e a doença moral da sociedade carioca, regida pelo dinheiro.
8.13 O Homem como produto do meio: Determinismo (raça, meio,momento)
De acordo com os princípios naturalistas, o ser humano sempre termina arrastado pelo determinismo do meio e dos instintos, torna-se reflexo do cenário onde vive, comportamento que é observável na figura de Pombinha, menina pura que vivia no cortiço, mas que por estar em uma ambiente um pouco degradante, acaba se casando e depois se separando, passando a viver com Léonie, uma prostituta que antes de Pombinha casar havia levado a menina a cometer atos de lesbianismo. Pombinha é uma repetição do que aconteceu com Léonie, pois antes da prostituição de elite, ela morava num cortiço.
É interessante observar como o autor apresenta a continuidade desse modelo com a filha de Jerônimo e Piedade atraída por Pombinha: “a cadeia continuava e continuaria interminavelmente; o cortiço estava preparando uma nova prostituta naquela pobre menina desamparada, que se fazia mulher ao lado de uma infeliz mãe ébria” (Cap. XXIII, p.201).
Pode ser citado, também, o Jerônimo que se inicia na narrativa apegado a sua terra natal, chorando saudade de Portugal e acaba por apegar-se ao Brasil, por estar apaixonado por Rita, passando a ter os costumes da mesma.
8.14 O Romance como uma obra pintada por Aluísio Azevedo
Sem medo de temas e palavras proibidas, Aluísio Azevedo, o artista plástico de vocação irrealizada, pinta um quadro definitivo, (simultaneamente luminoso e opressivo) do miserável cortiço. Um quadro tão forte que jamais pode ser esquecido:
“[...] o verdadeiro tipo de estalagem fluminense, a legítima, a legendária; aquela em que há um samba e um rolo por noite; aquela em que se matam homens sem polícia descobrir os assassinos; viveiros de larvas sensuais em que irmãos dormem misturados com irmãs na mesma cama; paraíso de vermes; brejo de lodo quente e fumegante, donde brota a vida brutalmente, como de uma podridão” (Cap.XXII, p.202)
9. Conclusão
Aluísio teria praticado em relação à série social uma narrativa contra-ideológica, apontando as falhas do sistema ao denunciar a exploração nos cortiços. Em relação à série literária, sua obra é ideológica quando cumpre à risca os preceitos naturalistas seguindo de perto o modelo europeu.
Podemos perceber que Aluísio de fato não escrevia, mas sim pintava a sociedade da época, que na verdade, não foge muito da nossa atual, com pessoas querendo mais e mais poder e dinheiro, pensando em si mesmos, enquanto milhões de pessoas vivem marginalizadas em favelas, nas ruas. Por isso, ele pode ser considerado um escritor universal (pelo que foi visto nessa obra), pois seu romance é atemporal, é sempre atual e de suma importância para entendermos o que a sociedade estava enfrentando na época e para que possamos estar refletindo sobre a situação degradante que por ora vivemos. O seu estudo é indispensável na área das ciências humanas, pois ele traz-nos não somente um tema qualquer, mais uma análise crítica e analítica da vida social.
10. Refências Bibliográficas
AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço. 36a ed. Rio de Janeiro: B.L. Gannier, 1890.
BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. 2a ed. São Paulo: Cultrix, 1975.
OLIVEIRA, Leopoldo. Rio de Janeiro: a cidade Livre e a cidade enclausurada — relações de poder e dominação
SANTA’NA, Affonso Romano. Análise Estrutural de Romances Brasileiros. Rio de Janeiro:
Vozes, 1973. disporão em www.portrasdasletras.com.br último acesso em 24/06/2007.
SODRE, Nelson Werneck. História da Literatura Brasileira. 100 ed. Ed. Grafhia
www.mundocultural.com.br último acesso em 24/06/2007.
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