Este é um espaço interativo, construído pelos alunos da discplina Literatura Brasileira II, ministrada na Universidade Federal do Ceará - turmas 2007.1 & 2007.2. Temos como meta discutir,divulgar e produzir conhecimentos acerca do panorama literário brasileiro compreendido no último quartel do século XIX.

domingo, 23 de setembro de 2007

Olavo Bilac



A subjetividade e o lirismo na obra parnasiana de


Bárbara Araújo dos Santos¹
Raoni Reinaldo Coriolano²


Resumo: No final o século XIX, por influência do sucesso das ciências exatas ocorrido na
Europa, surge o Realismo e o Parnasianismo, este, propõe a impassibilidade do poeta,
aquele, manifestação literária em prosa que propõe um olhar mais objetivo da realidade. No
Brasil, Parnasianismo nem sempre se manifesta da mesma maneira proposta pelos cânones
europeus. O pensamento e os lugares-comuns pertencentes ao Romantismo aparecem na
poesia da tríade parnasiana. Olavo Bilac é parnasiano, mas se mostra um poeta múltiplo,
rico em temáticas, abrangendo em sua obra traços do Romantismo e do Simbolismo, bem
mais romântico do que simbolista, sem perder as características que o torna um autêntico
parnasiano.
Palavras-chave: Olavo Bilac – Poesia – Fazer Poético Parnasiano- Parnasianismo –
Romantismo – Simbolismo.
A literatura é produto do meio
Em meio ao furor cientificista que permeia a Europa do século XIX, a literatura
torna-se reflexo do meio o qual ela está inserida, surge o Realismo, manifestação em prosa
que propõe um olhar mais objetivo da realidade, por parte do escritor, que “se tingirá de
naturalismo, no romance e no conto, sempre que fizer personagens e enredos submeteremse
ao destino cego das “leis naturais” (BOSI, 2006, p.168. Grifos do autor). O
Parnasianismo é a manifestação em poesia desse período. Ambas as manifestações literárias
possuem um sentimento anti-romântico, opõem-se ao sentimentalismo, ao irracional, ao
escapismo, à liberdade formal, características típicas dos românticos. A mentalidade que
surge é a da racionalidade, objetiva, científica, tudo se submete ao julgamento da Razão. É
por influência desse pensamento que foram estabelecidas os preceitos do Parnasianismo.
______________
¹Aluna do curso de graduação em Letras pela Universidade Federal do Ceará.
² Aluno do curso de graduação em Letras pela Universidade Federal do Ceará.
1
O Parnasianismo brasileiro
Embora o Parnasianismo tenha desembarcado no Brasil em plena crise dos antigos
valores (os ideais republicanos e os ideais abolicionistas contestam, respectivamente, a
monarquia e a escravidão), encontra um clima bastante favorável para proliferar-se na
sociedade. Sânzio de Azevedo (2004) lista as principais características da poesia parnasiana
no Brasil: correção métrica e gramatical, uso do alexandrino clássico (verso de doze
sílabas), apreço pela rima, ausência de sentimentalidade (distanciamento entre o eu e
objeto), descrição de objetos, evocação da História grega, cenas da Mitologia greco-latina,
o mundo oriental, a História brasileira, entre outros. No entanto, o que se verifica é que os
parnasianos brasileiros não conseguiram seguir de forma plena todas as regras propostas
pelos cânones franceses:
“...é largamente sabido que, no Brasil, o Parnasianismo
poucas vezes chegou a ser a pintura rigorosamente
objetiva de eventos históricos ou mitológicos.”
(AZEVEDO, 2004, p.17)
Em muitos poemas dos escritores parnasianos aparecem características
pertencentes ao Romantismo (lirismo, subjetividade etc.), justamente a escola que eles se
diziam se opor. Sobre a impossibilidade do poeta parnasiano ser impassível, Benjamin
Abdala Junior, no prefácio à Antologia de Poesia Brasileira (1985), faz o seguinte
comentário:
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Essa pretensa “impassibilidade”, entretanto, não existiu.
Nem seria possível, pois o poeta só pode construir o
poema selecionando situações, palavras, imagens, a partir
da sua própria perspectiva. A subjetividade é inerente às
ações humanas. (ABDALA JUNIOR, 1985, p. 5)
Essa contradição em que os parnasianos caíram não foi por incompetência, mas
sim, porque o caráter subjetivo está ligado ao homem e, também, ao fazer artístico.
Encontramos traços românticos nos poemas da tríade parnasiana brasileira: Alberto de
Oliveira, considerado por Alfredo Bosi “um romântico retardatário” (2006, p.220);
Raimundo Correia, que “estreou com uma coleção de versos em que Machado de Assis
sentiu o “cheiro romântico da decadência” (BOSI, 2006, p. 224); e Olavo Bilac, “o mais
antológico dos poetas brasileiros” (BOSI, 2006, p. 226) e objeto de nosso estudo.
Bilac: poeta múltiplo
“Profissão de Fé” abre seu livro Poesias (2006), obra dividia em seis coletâneas,
cinco publicadas ainda em vida e uma póstuma: “Tarde”. Poema prólogo, “Profissão de Fé”
adverte o leitor e explica como é o fazer poético parnasiano: identificação do poeta com o
artista que trabalha com as mãos: “Torce, aprimora, alteia, lima/A frase; e, enfim,/No verso
de ouro engasta a rima/Como rubim”; o esforço e a dedicação do poeta na criação da obra
de arte: “E horas se conto passo, mudo,/O olhar atento,/A trabalhar, longe de tudo/O
pensamento”; o poeta é um trabalhador de alto nível: “Porque o escrever – tanta
perícia,/Tanta requer...”; o rigor formal parnasiano: “Assim procedo. Minha pena/ Segue
esta norma”.
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Em Poesias estão contidas as mais diversas formas e temas pertencentes ao
Parnasianismo que Bilac trabalhou: o soneto, versos decassílabos, versos alexandrinos, o
rondel (de origem francesa), cenas da mitologia greco-romana, personagens romanos, entre
outros. Há poemas carregados com o lirismo (mesurado e racionalizado) e os lugarescomuns
do Romantismo, há poemas levemente tingidos com características simbolistas e há
a utilização do espaço tipográfico, encontrado no poema “Beijo Eterno”
Dentre as características não-parnasianas, os poemas que contém características
românticas são os mais ricos, tanto em número quanto em traços do Romantismo. Os
sonetos da coletânea “Via-Láctea” têm como características principais a subjetividade, o
lirismo e os lugares-comuns dos românticos. No entanto, o sentimentalismo de Olavo Bilac
não é desmedido como o dos poetas românticos, é contido. A mulher presente nos poemas é
branca, pálida e em alguns momentos inacessível. O amor do romântico nunca se realiza,
mas em Bilac há a realização desse amor, como pode ser observado no poema “IV” da
coletânea “Via-Láctea”:
Como a floresta secular, sombria,
Virgem do passo humano e do machado,
Onde apenas, horrendo, ecoa o brado
Do tigre, e cuja agreste ramaria
Não atravessa nunca a luz do dia,
Assim também, da luz do amor privado,
Tinhas o coração ermo e fechado,
Como a floresta secular, sombria...
Hoje, entre os ramos, a canção sonora
Soltam festivamente os passarinhos.
Tinge o cimo das árvores a aurora...
Palpitam flores, estremecem ninhos...
É o sol do amor, que não entrava outrora,
Entra dourando a areia dos caminhos.
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O soneto acima divide-se em dois hemisférios: o da solidão, que são os dois
quartetos, e o hemisfério da realização, que são os dois tercetos. Nos dois quartetos
aparecem os temas românticos: a floresta antiquíssima, remota, escura, sombria, virgem,
ainda não explorada pelo homem e que reflete o estado de tristeza e de solidão do eu-lírico.
Nos dois tercetos, porém, a situação se inverte, a natureza muda, torna-se alegre, as flores
desabrocham e os pássaros cantam, refletindo, assim, o estado de espírito do eu-lírico após
ter conseguido realizar o seu amor.
Há poemas, porém, em que o amor não se realiza. No desfecho do soneto “IX” a
amada se mostra totalmente indiferente:
Olho-te: cega ao meu olhar te fazes...
Falo-te - e com que fogo a voz levanto! –
Em vão... Finges-te surda às minhas frases
Surda: em nem ouves meu amargo pranto!
Cega: e nem vês a nova dor que trazes
À dor antiga que doía tanto!
Bilac faz reflexões sobre estar apaixonado, talvez uma crítica aos românticos que
não se interessavam em amar, mas pela a dor de amar: “Quem ama inventa as penas em que
vive: / E, em lugar de acalmar as penas, antes/ Busca novo pesar com que as vive”.
No épico “Morte de Tapir” e em “Midsummer’s night’s dream” há outra
característica romântica: o retorno ao passado (no caso do Brasil, o passado sem a ocupação
portuguesa), às origens do país, em que as raízes culturais, campesinas, são exaltadas em
oposição à cidade moderna, repleta de fábricas e fuligem. “Midsummer’s night’s dream”
tem um caráter subjetivo, retratando a saudade e a ânsia de um retorno ao passado, longe do
comportamento mesquinho do homem:
Que esquisita saudade!- Uma lembrança estranha
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De Ter vivido já no alto de uma montanha,
Tão alta, que tocava no céu... Belo País,
Onde, em perpétuo sonho, eu vivia feliz,
Livre da ingratidão, livre da indiferença,
No seio maternal da Ilusão e da Crença!
Já em a “Morte de Tapir”, há a retomada da temática indianista do Romantismo
brasileiro, mas sem a glória retratada pelos românticos. Tapir, índio guerreiro, se depara
com a aniquilação da cultura indígena pelo europeu, não há mais o domínio das terras
brasileiras pelos índios como foi no passado, o tom é decadente. Tapir morre junto com a
glória indígena:
E o dia
Entre os sangüíneos tons do ocaso decaía...
E era tudo em silêncio, adormecido e quedo...
De súbito um tremor correu todo o arvoredo:
E o que há pouco era calma, agora é movimento,
Treme, agita-se, acorda, e se lastima... O vento
Fala: “Tapir! Tapir! É finda a tua raça!”
E em tudo a mesma voz misteriosa passa;
As árvores e o chão despertam, repetindo:
“Tapir! Tapir! Tapir! O teu poder é findo!”
O amor erótico, também presente na obra romântica de Almeida Garret, é bastante
recorrente na obra de Olavo Bilac. Esse amor, porém, é impuro, um amor carnal que é
alimentado somente pelo desejo, um desejo do qual o eu-lírico não consegue escapar e que
Bilac questiona: “Por que, abrasado de uma sede insana,/ A impuros lábios entreguei a
face?”. No soneto “Na Tebaida” o corpo feminino hipnotiza o eu-lírico de tal forma que
não resiste e cai em tentação. No poema “Satânia”, o corpo feminino é associado ao
demônio, que seduz o homem e que leva para a escuridão, para o pecado: o sexo. Há uma
ânsia, na poesia bilaquiana, do amor sublime, elevado.
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Bilac não deixa de ser influenciado pelo Simbolismo, escola que resgata a
subjetividade romântica. Alguns poemas de Bilac possuem algumas palavras pertencentes
ao léxico dos poetas simbolistas: vaporosas, brumosas, neblina, sombras etc. No soneto
“XIX” o poeta explora a sibilante “as” contida nas palavras: falas, misteriosas, respeitosas,
muitas, trêmulas e vaporosas. O soneto “XVII” exemplifica bem essa presença simbolista:
Por estas noites frias e brumosas
É que melhor se pode amar, querida!
Nem a estrela pálida, perdida
Nem a névoa, abre as pálpebras medrosas...
Mas um perfume cálido de rosas
Corre a face da terra adormecida...
E a névoa cresce, e, em grupos repartida,
Enche os ares de sombras vaporosas:
Sombras errantes, corpos nus, ardentes
Carnes lascivas... um rumor vibrante
De atritos longos e beijos quentes...
E os céus se estendem, palpitando, cheios
Da tépida brancura fulgurante
De um turbilhão de braços e seios
No poema acima há a sugestão do ambiente e de uma relação sexual, não se pode
definir quem são as pessoas que estão no soneto e em que lugar elas estão, elas são apenas
“Sombras errantes, corpos nus, ardentes” na noite. Há a mistura de sensações, a sinestesia:
“perfume cálido (quente) de rosas”. O ambiente, a natureza, é escuro e misterioso, em que
as névoas e as brumas velam os objetos impedindo a possibilidade de serem vistos de forma
objetiva. Enfim, versos que lembram Cruz e Sousa (1961): “Braços nervosos, brancas
opulências,” ou Alphonsus de Guimaraens (1960): “Entre as brumas ao longe surge a
aurora,/ O hialino orvalho aos poucos se evapora”.
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No poema “Beijo Eterno” Bilac larga a forma fixa para trabalhar com os espaços
tipográficos, já utilizados pelo poeta romântico Fagundes Varela, a fim de reforçar a idéia
da eternidade. Observa-se que a silhueta das dez estrofes do poema assemelha-se a do
numeral oito (8) que por sua vez se assemelha ao símbolo do infinito: ∞. O total de versos
em cada estrofe é, também, oito.
Quero um beijo sem fim,
Que dure a vida inteira e aplaque o meu desejo!
Ferve-me o sangue. Acalma-o com teu beijo,
Beija-me assim!
O ouvido fecha ao rumor
Do mundo, e beija-me, querida!
Vive só pra mim, só para minha vida,
Só para o meu amor!
Bilac transcende a perspectiva puramente lingüística e lança-se na organização de
signos que compõem um paralelismo extralingüístico para enfatizar a idéia de eternidade
proposta pelo poeta. Essa organização dos elementos tipográficos para a formação de
imagens já era utilizada no período romântico por Fagundes Varela no poema “Cruz”, em
que os caracteres lingüísticos estão organizados na formação da imagem de uma cruz.
O verdadeiro parnasiano
As características supracitadas nesse artigo caracterizam a permanência do espírito
romântico e a superação dos limites propostos pelo Parnasianismo na poesia de Olavo
Bilac. Porém, não se pode negar que Bilac foi um poeta que dedicou-se da mesma maneira
que professou em “Profissão de Fé”. A sua preocupação formal o torna um verdadeiro
parnasiano e não o deixa de ser mesmo em poemas com traços românticos e simbolistas. O
rigor parnasiano prevalece. O que marca a sua poesia são os momentos felizes, que não são
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poucos, que transcendem a premissa do poeta impassível e dão um passeio pela
subjetividade, sem cair em devaneios, sem perder a Razão.
Referências bibliográficas
ABDALA JUNIOR, Benjamin (org.). Antologia de Poesia Brasileira. São Paulo: Ática,
1985.
AZEVEDO, Sânzio de. O parnasianismo na poesia brasileira. Fortaleza: Editora
UFC/Edições UVA, 2004.
BILAC, Olavo. Poesias. São Paulo: Martin Claret, 2006.
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 43ª ed. São Paulo: Cultrix, 2006.
CRUZ E SOUSA, João da. Obra completa de Cruz e Sousa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1961.
GUIMARAENS, Alphonsus de, FILHO, Alphonsus de Guimaraens (org.). Obra Completa.
Rio de Janeiro: Aguilar, 1960.
NICOLA, José de, INFANTE, Ulisses. Como ler poesia. Editora Scipione: 1988.
Internet
PY, Fernando. Poesia e Prosa de Olavo Bilac. Poiesis www.jornalpoiesis.com/mambo,
2007. Último acesso: 27/06/2007.
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